Corre, se não a Cuca vai te pegar!
Sem compreender como um animal de tão longe foi parar no Rio de Janeiro, Eric parte em uma investigação que, em pouco tempo, se mostra muito mais estranha do que ele poderia imaginar. Eric se dá conta que esse mistério pode ter uma relação profunda com a morte inexplicável de sua mulher, que teria morrido em um incêndio na floresta. Aos poucos, a fantasia e o sobrenatural vão se misturando nessa trama de suspense quando criaturas do folclore brasileiro como a Cuca, Saci e Iara se envolvem na investigação de Eric. O ritmo dos episódios é bem construído, sem parecer apressado nem muito devagar em momento algum. A minissérie intercala as histórias de cada personagem, seja ele mágico ou não, com a trama principal de mistério policial de uma forma que prende a atenção do espectador constantemente. Além de um enredo que não se perde em momento algum, a trama mágica e misteriosa tem direito a efeitos especiais bem elaborados e um destaque para a atriz Alessandra Negrini, que interpreta a bruxa Cuca e rouba boa parte das cenas do show com sua atuação convincente. Infelizmente nem todas as interpretações são boas, com alguns personagens parecendo que estão simplesmente lendo o roteiro, ao invés de atuar. No entanto, talvez o pior problema de Cidade invisível seja a edição de som. Esse já não é um problema inédito das produções cinematográficas brasileiras em formato de seriado, mas aqui fica evidente como a captura de som parece de baixa qualidade, uma vez que em boa parte dos episódios é preciso colocar o volume quase no nível máximo para ouvir os diálogos dos personagens e não se assustar quando a trilha sonora ou os sons do ambiente estouram no seu ouvido. Sem revelar muitos spoilers sobre a minissérie, basta dizer que o final cumpre o prometido dos primeiros episódios e cria um gancho para uma possível segunda temporada, mesmo que deixe algumas “pontas soltas” para que o próprio espectador faça a sua interpretação. No entanto, talvez o mais inusitado sobre a série não sejam as criaturas míticas que povoam a história, mas saber que a mente por trás do roteiro e direção de Cidade invisível é ninguém menos que Carlos Saldanha, brasileiro que já deu o que falar com seu brilhante trabalho em animações como a saga A Era do gelo e Rio. Essa é a primeira vez que Saldanha se aventura no gênero dos seriados de drama e também a primeira vez que ele dirige pessoas de verdade. Saldanha conseguiu, graças a uma significativa interação com os atores e uma compreensão profunda sobre o folclore e como construir uma boa trama de mistério e suspense, criar uma minissérie que surpreende pela forma como aborda tantos temas diferentes (mesmo aqueles que possam parecer “invisíveis” quando se assiste ao show apenas pelo viés fantástico ou de mistério policial).
Fantasia e realidade
Por detrás da fantasia e mistério está uma mensagem importante sobre o impacto do progresso desmedido da humanidade sobre as florestas e a vida selvagem de nosso país. A série mostra como a poluição, escassez de peixes, e o interesse inescrupuloso das grandes corporações destrói comunidades inteiras que tentam viver de forma sustentável com o meio ambiente (e as criaturas mágicas que se escondem por entre as árvores, rios e céus). Além disso, Carlos Saldanha faz um trabalho exemplar ao comparar a situação do nosso folclore nacional com a de pessoas marginalizadas em nossa sociedade. As criaturas mágicas se veem forçadas a se refugiar no meio urbano, uma selva de aço e concreto frio que é inóspito para eles. Sem lugar nesse novo mundo, os seres míticos precisam se adaptar e tentar viver vidas comuns para continuar sobrevivendo. Da mesma forma que não enxergamos essa parcela de nossa sociedade, a minissérie mostra essa “cidade invisível” em que estão os indivíduos que preferimos não ver e ignorar, sejam eles mágicos ou não. Enquanto Deuses Americanos utiliza essa analogia no âmbito de mostrar como as religiões antigas estão sendo substituídas pelos deuses novos da tecnologia, Carlos Saldanha se preocupa em uma metáfora mais social e próxima de nossa triste e crua realidade.
Cidade invisível: o essencial que é visível
Para aqueles que gostam das figuras do folclore brasileiro e se sentem tristes por essas criaturas mágicas estarem esquecidas no imaginário popular ou pegando poeira em estantes de bibliotecas velhas, Cidade invisível é um seriado perfeito para resgatar essa parte da cultura nacional. Além do mais, se você já se assustou com as histórias da Cuca, se encantou pela lenda do Boto ou mesmo se divertia com os contos do Saci fazendo suas peraltices e rodando dentro dos redemoinhos, a minissérie de Carlos Saldanha é uma viagem nostálgica que mostra a riqueza de nosso folclore e mostra que existe muito conteúdo interessante em nossa literatura (e não apenas em conteúdos estrangeiros como Harry Potter e Jogos Vorazes). Dentro dessa mistura de fantasia com mistério policial, questões ambientais e sociais se unem para criar um enredo que é muito mais do que uma minissérie com “mágica e suspense”. Além de mostrar como nossa cultura está sendo esquecida e nossa flora e fauna estão sendo depredadas pela ganância das grandes empresas, a criação de Saldanha se aprofunda na questão social das pessoas marginalizadas. Ainda não foi confirmado, mas dada a boa recepção da crítica, espera-se que uma segunda temporada de Cidade Invisível esteja planejada para 2022 na Netflix. A minissérie não é a primeira produção brasileira a fazer sucesso na plataforma de streaming, mas certamente é um grande passo em tentar resgatar o folclore brasileiro, tão esquecido na quantidade de histórias e elementos narrativos estrangeiros que consumimos aqui em terras tupiniquins. Se você quiser conferir o seriado, todos os episódios de Cidade Invisível estão disponíveis na Netflix. Confira o trailer a seguir: